terça-feira, 12 de maio de 2015

O livro proibido

ra ainda uma menina que mal havia aprendido a ler. Lembro-me da minha mãe sentada na beira de sua cama lendo um livro enorme, mais de 700 páginas. Ela estava tão envolvida com a história que nem reparava que eu, brincando a seus pés, parava de tempos em tempos e ficava contemplando curiosamente as suas expressões faciais durante a leitura. Haviam momentos que ela parecia enternecida, em outros seus olhos ficavam marejados, haviam momentos ainda que ela erguia as sobrancelhas, como que surpreendida com alguma situação. Às vezes balançava a cabeça em postura de negação. Foram dias e dias até que ela finalmente terminou a leitura.
O livro foi depositado no tampo do criado mudo esperançando a hora de ser devolvido para minha avó, a dona dele. Numa certa hora, ciente que ela estava lidando com os afazeres domésticos, abri na primeira página e comecei a vagarosamente, dentro daquilo que a minha inexperiência permitia, ler o primeiro parágrafo da tal história. O título eu já havia lido: As Duas Mães. De repente minha mãe entrou no quarto, tirou-me os livro das mãos, e com cara de brava falou: isto não é para você. Perguntei por que e a resposta foi o típico "porque não", encerrando o assunto. Mais que depressa foi devolvê-lo antes que eu pudesse fazer mais uma tentativa de saciar a minha curiosidade, agora mais do que nunca aguçada.
Algumas décadas depois, quando minha avó faleceu, ao encaixotar os seus livros e revistas, dei de cara com aquele volume tão grosso que se destacava dos demais. As folhas estavam amarelas, a capa meio caída, algumas folhas destacadas, típico de um livro muito manipulado. Pedi licença aos meus primos que me ajudavam na tarefa e o levei para casa.
Não li, devorei a história. Era um romance cheio de intrigas, suspense e muitas coisas que só poderias ser possíveis na cabeça fantasiosa de um escritor. Em linhas gerais a história contava de um garoto que fora roubado de sua mãe, ainda recém-nascido, e dado em adoção a um casal da alta burguesia inglesa. Anos mais tarde a mãe biológica se torna babá do garoto e o acompanha até a vida adulta. Ela sabia que era seu filho, mas tinha como provar. No fim da história, o menino, agora já um rapaz, descobre a sua origem, quem é o seu pai biológico, e fica feliz por ter tido na vidas duas mães amorosas e dedicadas. Enfim, a história que eu passei anos me perguntando porque não poderia ler estava conhecida. Tirando o fato do livro ser enorme, não havia nada demais em seu conteúdo.
Acho que o maior problema para minha mãe era ter no livro uma situação de uma mulher que se tornava mãe antes de se casar. Coisas da sua época...

 Lilia Maria

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