domingo, 26 de abril de 2015

Vencendo um desafio

Nunca fui uma aluna brilhante, mas sempre estava entre os melhores.
Das matérias que ia aprendendo na escola, matemática era a que me deixava mais confortável. Não que eu não me dava bem com as outras, mas era a que eu achava mais fácil. No primário, além de aprender muito bem a fazer as quatro operações, sempre consegui entender e resolver problemas e os professores não exigiam mais do que isso. Fazer contas era detalhe, eu aprendi a fazer e pronto. Nenhuma professora falava porque tinha o tal do “vai um”, “empresta um”, “separa uma” e outras coisinhas que faziam parte da receita. Eu tinha muita vontade de saber, mas como na primeira tentativa de perguntar quase fui parar na diretoria, aceitei como verdade e pronto.
Terminando o 4º ano primário, prestei o exame de admissão ao ginásio. Fui aprovada e assim pulei o quinto ano, que já andava em extinção.
Sair do primário, onde eu tinha apenas uma professora o ano todo, para aquela loucura de quatro a cinco aulas diárias com professores diferentes, uma para cada matéria, parecia um grande desafio. Mas não foi tão difícil assim. Os professores eram ótimos e eu fui me saindo muito bem.
Duas matérias me encantavam: ciências e matemática. Mas uma que eu detestava: geografia. Como chegar numa prova e lembrar todos os afluentes na margem esquerda do rio Amazonas? Hoje eu me pergunto o que isso fez diferença em minha vida.
Com relação à matemática, descobri que era muito mais do que eu havia aprendido, e fui entendendo alguns “por quês”. A professora Maria Luiza era jovem, recém saída da Universidade, e veio trazendo para nós a novidade do momento: matemática moderna. Não que a matemática que eu havia aprendido até agora era velha, mas a forma de apresentar os conceitos, iniciando a construção do pensamento matemático baseado em teoria dos conjuntos, era revolucionária.
No ano seguinte tudo mudou. O professor Amaral era velho, com cara de bravo, mas todo mundo achava que ele era um ótimo professor, pois era dificílimo tirar uma nota maior que 5 nas provas. Ele nunca explicava o porque das coisas. Era regra e está acabado. Como aprender a resolver equação sem saber porque “muda de lado, inverte o sinal” ou “se está multiplicando, passa dividindo”? Era muita “mandracaria” para uma matéria só.
A partir daí, eu estava muito confusa, e assim fui seguindo e empurrando a matemática como a maioria dos colegas e porque não dizer, as pessoas do mundo.
Finalmente acabei o ginásio, e como eu queria muito estudar medicina, me inscrevi no curso científico. De cara meu pai me avisou que ele jamais apoiaria a ideia de ter uma filha médica, mas a escolha estava feita.
Com todas as dúvidas que eu tinha e com uma timidez que não me deixava perguntar nada para a professora, no final do ano fui reprovada. Quando eu fui buscar o resultado do exame, dona Arizia me aconselhou a pegar os meus antigos livros, e passar o resto das férias buscando respostas para as minhas dúvidas. Ela fez algumas observações sobre os pontos que eu deveria colocar mais atenção e me emprestou alguns livros que ela achava que poderiam ser úteis.
Eu estava frustrada, envergonhada, arrasada, mas me deixei abater. Segui rigorosamente os conselhos dela. De repente as coisas começaram a fazer sentido. Eu me sentia assim: eu tinha um grande novelo de lã e havia puxado um fio do meio. Estava tudo embaraçado e eu estava conseguindo desfazer os nós.
No ano seguinte, logo no primeiro dia de aula lancei um desafio: em matemática eu tiraria 10 ou 0, pois prova minha que não fosse o gabarito para correção eu não entregaria. Tirei 0 em uma e 10 em todas as outras.
No segundo colegial, dona Arizia me perguntou seu eu ainda iria “brincar de 10 ou 0”. Eu respondi que não, mas lancei um novo desafio: um dia saber mais matemática do que ela. Estava tomada a decisão, eu iria ser professora de matemática.
Terminando o colegial fui aprovada nos vestibulares da USP e da PUC. Optei pela USP. Lá fui aluna do professor Scipione di Piero Neto, que ao fim do curso me convidou para compor um grupo de autoria de livros didáticos.
Quando a série de livros foi lançada, separei uma coleção completa, envolvi em laços de fita e levei para dá-los de presente para a minha querida mestra.
Ao recebe-los, muito emocionada ela me abraçou e disse: desafio cumprido, agora cuide de mostrar aos seus alunos como é que se desenrola um novelo.
Como professora, sempre contava esta história aos meus alunos e me oferecia para ajudar aos que quisessem aprender a lidar com a matemática. Muitos aceitaram a oferta e dizem que foi comigo que aprenderam esta disciplina tão importante e tão mal compreendida.

 Lilia Maria

Nenhum comentário:

Postar um comentário