domingo, 31 de outubro de 2021

Matemática Moderna incita à subversão

 

Matemática Moderna incita à subversão

Entre os meus “guardados” encontrei um pequeno recorte de jornal de 1980. Creio que quem me enviou não se ateve muito ao conteúdo. A intenção era fazer uma brincadeira, já que o meu pai sempre me chamava de comunista. O título do artigo é o mesmo do “post” e o conteúdo é o que segue:

 

 A ideia de subversão pelo ensino de matemática moderna já havia surgido há alguns anos e volta à baila através de duas revistas argentinas, tendo como origem geográfica sempre a mesma província de Córdoba,

Segundo a revista “Science for the People” (março/abril, 1980), as autoridades provinciais baixaram um novo decreto proibindo o ensino de matemática moderna na província. As razões são as seguintes: seus postulados estão a favor da lógica formal e favorecem a geminação de uma ideologia subversiva cuja linguagem utiliza palavras “matriz” e “vetor”, consideradas pelas autoridades “tipicamente marxistas”. A “pior” das palavras é “conjunto” por evocar a reunião, a coletividade, a massa!

Decididamente a matemática moderna consegue desagradar a gregos e troianos. Na Rússia ela é considerada muito burguesa.

 

 O ensino da Matemática sempre foi uma grande preocupação para os educadores. Antes de 1950, os professores desta disciplina ocupavam-se com os cálculos aritméticos, as identidades trigonométricas, problemas de enunciados grandes e complicados, demonstrações de teoremas de geometria e resolução de problemas sem utilidade prática. No início da década de 60, ocorre uma mudança, influenciada por uma discussão internacional acerca de uma nova abordagem para o ensino de Matemática. Este Movimento internacional torna-se conhecido como Movimento da Matemática Moderna (MMM).

Quando ingressei no antigo ginásio, em 1964, a maioria dos professores de matemática do estado de São Paulo estava comprometida com a mudança de curso do ensino dessa disciplina. Dentro do MMM, a construção do conhecimento matemático era feito a partir dos conceitos básicos da Teoria dos Conjuntos. A crítica que sempre foi feita a este método de ensino é que os conceitos são muito abstratos e que levam a um formalismo matemático desnecessário no ensino básico.

Muitos anos depois, já formada e trabalhando em sala de aula, tornei-me uma defensora feroz da continuidade dos preceitos fundamentais do MMM. A construção da matemática a partir da lógica embutida na Teoria dos Conjuntos, a meu ver, tornava claro muitos dos conceitos que antes eram decorados. O problema não era o que se ensinava, mas como se ensinava. Conceitos abstratos podem ser facilmente absorvidos quando se parte do concreto para a generalização.

Pensando nas experiências que os alunos deveriam ter para sair do concreto para o abstrato, em 1985 tentei criar na escola em que era titular, um “laboratório de matemática”. A ideia era que os alunos fizessem experiências ou que participassem de brincadeiras para depois, refletindo sobre a atividade, construíssem definições e conceitos.

Meu experimento durou exatamente dois dias. A diretora da escola, alegando que os alunos faziam muito barulho, proibiu a atividade. Conversando depois com os meus colegas, eles disseram que na sala de aula não se escutava o que estava acontecendo no pátio. Insisti com a diretora dizendo que o barulho não estava incomodando o andamento das outras aulas. Aí ela “disparou”:

- Incomoda a mim... Menina! Aprenda: escola só é boa quando não tem aluno dentro!

O choque foi tão grande que a partir deste dia decidi buscar outros horizontes.

Apenas para encerrar, 1964 foi o ano do golpe militar. Se a matemática moderna era subversiva, obvio que aqui no Brasil, mais cedo ou mais tarde, ela deixaria de ser ensinada ou então, seria ensinada, mas não de forma adequada. Um assunto a se pensar...

 

Lilia Maria

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